domingo, 18 de maio de 2008

O telefone público


Por Dal Marcondes

Bem em frente ao edifício onde moro há um telefone público. Não daqueles charmosos orelhões que se via em cada esquina do país até bem pouco tempo, mas uma cabine horrorosa de concreto com um moderno telefone de cartões dentro. Bom, apesar da aparência pouco agradável, sem dúvida que ele ouve diariamente as maiores alegrias e dramas da vida.

Da sacada do meu apartamento, no segundo andar, por vezes pego fragmentos das conversas. Não com a curiosidade de voyer, mas por mero acaso. Vivo em uma rua silenciosa e as vozes emanam daquele cubículo de concreto cortando o ar em tom de desespero: "Estava preocupada com você", disse a moça com pouco mais de 15 anos, com uma criança no colo já mais de meia noite.

O chinelo de dedo e o ar de desolação me comovem. O pequeno, não mais de seis meses, olha a tudo como um passageiro que nada tem a ver com a carruagem que lhe coube na vida. Em alguns momento eles somem, acompanhados de um pequeno e serelepe cachorro vira-latas. Pela calçada vem outra, apressada, pára perto do telefone, olha em volta como se estar ali fosse algum ilícito, abre a mão onde um papel amassado certamente contém o número secreto. Some na escuridão da cabine e pouco se ouve. Alguns sussurros e enfim reaparece na luz. Olha novamente em volta e parte tão apressada como na chegada. Alguns dias atras, por motivos que desconheço, um funcionário da companhia telefônica apareceu e retirou o telefone de seu pedestal. Pessoas que iam e vinham olhavam com espanto o altar de onde se retirou o santo milagreiro. Moças com pequenos papéis amassados vinham apressadas e voltavam decepcionadas. Alguns se aproximavam e praguejavam.

Mas um dia chego em casa e para felicidade de todos, inclusive para o grupo de meninos e meninas que reúnem-se cotidianamente na esquina onde moro, o telefone estava de volta. Novamente trazendo esperanças por seus cabos infinitos. Sob aquele feio teto de concreto está certamente guardado um pedaço de cada distante rincão onde vive o coração das gentes.

Ah, esqueci de dizer, este telefone é especial, ele não apenas permite chamadas, mas também toca. Algumas vezes me surpreendo com pessoas paradas na calçada. É uma esquina de residências, nem ao menos temos uma banquinha de revistas, mas temos esperantes, gente que espera o trinado do telefone. Sorrisos aliviados quando ouvem o metálico trim.

É bom ver essa gente, toda gente, feliz. Na era da internet um telefone público ainda pode arrancar muitos sorrisos e suspiros. Fico sempre com a esperança que um dia ele toque para mim.

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