terça-feira, 11 de março de 2008

A fala do amigo

Dal Marcondes

Um bom amigo, o Avelino Alves, me escreveu falando sobre a necessidade que ler coisas simples pela manhã. É verdade, se começamos o dia com as manchetes dos grandes jornais, com as dezenas de explosões, com as políticas e as restrições. Com os conflitos e as secas, como vamos produzir coisas importantes, cheias de ternura e comprometidas com o futuro, com as novas gerações e com nossos netos? Também esta manhã estava conversando com outro amigo cujo filhote de 3 anos passou a noite com febre e desinteria. Ele certamente não quer saber hoje das guerras e dos parlapatões que dominam a política.

Talvez os dois quisessem apenas ler sobre amanhã de sol onde seus filhos e netos poderiam ir à praça. Brincar de bola e ouvir o som de passarinhos. Pular corda, escorregar e correr. Nos jornais a manchete seria: “Mais ruas serão fechadas apenas para pedestres, ciclistas e crianças”.

É verdade, não temos mais Rubens Braga e Drumond. Pelo contrário, temos nas redações gente que insiste em nos esfregar na cara, manhã após manhã, a nossa incapacidade, nossa incompetência, nossa deslavada derrota frente à vida. Como quem precisa que todos sejam terrivelmente massacrados para que possa sentir-se de alguma forma satisfeito.

Dias atrás abri uma revista que trazia na capa o seguinte título: “Automóveis: o melhor ano da história”. A matéria dizia que “nunca na história deste país” a indústria automobilística vendeu tanto. Tudo isso em um tom de jubilo pelo sucesso do modelo de desenvolvimento que entope nossas ruas e avenidas. Num primeiro momento pensei como Cristo: “eles não sabem o que fazem”. Mas, para minha surpresa, na mesma revista havia uma outra matéria que dizia mais ou menos isso: “Com seis milhões de automóveis São Paulo pode parar”. Ou seja, alguém lá dentro da redação sabia que o modelo é insustentável.

Os leitores são massacrados diariamente com centenas de informações sobre coisas para as quais sentem-se impotentes em atuar. Mas não são estimulados a fazer as coisas simples, como ir à praça e resgatar valores que devem fazer parte de nossa herança para o futuro.

Assim como meus amigo, quero também ler sobre coisas simples, que eu possa fazer com meus filho e netos, que possam ajudar a construir uma ética para o futuro. Vou continuar me indignando com os grandes temas eleitos nas reuniões de pauta e fechamento dos grandes jornais. Afinal, jornais servem para isso, para trazer o mundo à minha porta. Mas gostaria de abrir a porta também para boas notícias, para os bons cronistas e para que as crianças saiam para brincar sem medo.

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